A IMORTALIDADE DE CORNÉLIO RAMOS
Quando
foi designado para trabalhar em Catalão, no começo da década de 1950, o
ferroviário Cornélio Ramos estava cansado das constantes transferências a que
esteve sujeito na vida profissional. Sentia-se perseguido pela direção da
ferrovia que sempre o enviava para os mais longínquos recantos da estrada de
ferro. Acompanhado pela mulher e quatro filhos, não imaginava que logo seria um
catalano de verdade e, muito menos, que se tornaria referência cultural do
município de onde jamais sairia.
Nomeado
como chefe da estação, Cornélio Ramos, aos 40 anos, apresentou-se ao prefeito
da época, João Netto de Campos, e assumiu o cargo, passando a residir com a
família na sede da própria estação ferroviária, onde morou até se aposentar na
década de 1970.
Foto: (Reprodução) /Luís Estevam /Cornélio e Delca Alves
O
movimento da ferrovia já não era tão dinâmico como no passado. Com a construção
da nova capital de Goiás, os investimentos foram canalizados para aquela região
e o comércio se fortaleceu no eixo Goiânia-Anápolis. A antiga região da estrada
de ferro, na década de 1950, esteve marginalizada em função das grandes
rodovias que surgiam na área central do estado. Em Catalão, o maior movimento
era o trem de passageiros que, no percurso Ouvidor - Três Ranchos - Patrocínio - Divinópolis, alcançava
Belo Horizonte.
Antes
de vir para Catalão, a vida de Cornélio Ramos esteve agitada. Quando
adolescente cursou o Ginásio Dom Lustosa em Patrocínio, no início da década de
1930. Depois de prestar o serviço militar, foi aprovado em concurso público
para o Ministério da Viação e encaminhado para trabalhar na estrada de
ferro Oeste de Minas em Patrocínio.
Foto: (Reprodução) /Luís Estevam /Cornélio Ramos quando ingressou na estrada de ferro Oeste de Minas
Com
emprego federal garantido e apenas 20 anos de idade, Cornélio tinha tudo para
se tornar um profissional bem sucedido no alto escalão da administração
ferroviária. Porém, suas convicções políticas e a paixão pelo jornalismo
literário não o permitiram. Logo começou a escrever em diversos periódicos do
Triângulo Mineiro expondo idéias políticas e, vez por outra, tecendo críticas e
comentários sobre a própria organização
ferroviária.
Seus
artigos incomodavam poderosos. Mas, como funcionário concursado, seria difícil
afasta-lo do cargo. A ferrovia optou, então, por afasta-lo do contexto social
em que vivia. Foi seguidamente transferido para locais cada vez mais
distanciados. Mesmo assim, Cornélio Ramos se manteve fiel a suas ideias e
continuou a escrever para diversos jornais do interior, dessa feita, sob o
pseudônimo de José Jim.
Foto: (Reprodução) /Luís Estevam /Cornélio Ramos e seus colegas de trabalho na estação ferroviária
Cornélio vivenciou o degredo profissional, sendo continuamente transferido de uma localidade para outra. Isto porque, a agitação política era muito forte em Minas Gerais e ele era ardoroso partidário de Getúlio Vargas, colaborando em diversos periódicos. Foi transferido de Patrocínio para Araxá, depois para Belo Horizonte e, de lá, para Angra dos Reis. Em seguida, foi designado para estações longínquas na estrada de ferro. Morou em
- Guariroba,
- Ibitimirim,
- Argenita,
- Itiguapira,
- Itirapuan
- e Umburetama,
entre outras pequenas estações. Foram vinte anos de degredo profissional.
Quando
a UDN, partido de oposição a Getúlio Vargas ganhou o poder em Minas Gerais, a
direção da ferrovia resolveu tranferi-lo, de vez, para Catalão, cidade
conhecida como terra de jagunços, valentões, loucos e coronéis.
Ao
contrário do que se esperava, Cornélio Ramos encontrou a merecida tranquilidade
em Catalão. Integrou-se de tal forma à comunidade que recebeu, em 1963, o
título de Cidadão Catalano.
Era um homem que viveu além do seu tempo. Nas férias, gostava muito de viajar e tinha verdadeira paixão por motocicletas. Esteve em Brasília na época da construção da capital federal, por duas vezes, e visitava sempre velhos amigos no Triângulo Mineiro.
Tinha
uma personalidade, no mínimo, curiosa. Mesmo contrariado, trazia sempre um
sorriso nos lábios. Dizia-se ateu, mas carregava um terço, presente do amigo
Monsenhor Primo Vieira. Apaixonado por fotografias, ele próprio revelava os
seus filmes, compondo vários álbuns de recordações. Tinha uma biblioteca enorme
para os padrões costumeiros. Além da literatura nacional e regional,
colecionava encadernações de revistas e jornais do país.
Cornélio gostava de música. Mantinha uma coleção de discos e era amigo particular do imigrante belga, René Estevam Deckers, exímio violinista, de quem foi parceiro, escrevendo letras para as composições do músico. Era também farmacêutico prático. Como havia sido constantemente transferido para locais ermos e sem recursos, Cornélio aprendeu a manipular remédios para seus filhos, utilizando uma pequena balança de precisão. Mesmo depois, como chefe da estação, era procurado pelas mães de Catalão à procura de remédios para crianças.
Cornélio se dedicou, em Catalão, a pesquisar os escritores do passado, revivendo poesias e contos de
- Ricardo Paranhos,
- Bernardo Guimarães,
- Fagundes Varela,
- Roque Alves de Azevedo,
- Randolfo Campos,
- David Persicano
- e Alceu Victor Rodrigues.
Ao lado
disso, registrou lendas e antigas histórias que, sem ele, poderiam ter se
perdido para sempre.
A sua preocupação era não deixar cair no esquecimento o passado glorioso da Atenas de Goiás. Para tanto, liderou um grupo de intelectuais, fundando a Academia Catalana de Letras em 1973. Juntamente com
- César Ferreira,
- Antonio Chaud,
- Marlitt Netto,
- Júlio Pinto de Melo,
- Monsenhor Primo,
- Maria das Dores Campos,
- Geraldo Coelho,
- William Agel de Melo,
- Braz José Coelho
- e Aredio Teixeira Duarte,
organizou e consolidou oficialmente a memória de Catalão.
Foto: (Reprodução) /Luís Estevam /Cornélio Ramos e colegas da Academia Catalana de Letras
Depois
de 23 anos de serviço em Catalão, quando se aposentou na rede ferroviária,
mudou da estação para uma casa na Rua Nassin Agel e passou a se dedicar
integralmente à literatura regional. Enquanto viveu, a Academia Catalana de
Letras teve como sede a biblioteca de sua casa nas proximidades da estação.
Cornélio Ramos virou imortal. Seu nome não será
esquecido pela comunidade catalana. Sua obra se tornou referência para
memorialistas e a antiga residência, na estação ferroviária, virou Museu
Cornélio Ramos. (Luís Estevam)
Fonte: Luís Estevam e Academia Catalana de Letras
Esta matéria é em
oferecimento de:
FOLHA DE CATALÃO – A NOTÍCIA
DE FORMA DIRETA
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